Para o último Diga 33 – Poesia no Teatro de 2024 guardámos uma selecção de textos imorais, corruptores, heréticos, lascivos, de conteúdo impróprio, perigosamente perversores da moral e dos bons costumes, textos censurados por serem obscenos, lúbricos, lascivos, ignóbeis, indecentes e repugnantes, textos queimados publicamente, textos perigosos. A Henrique Manuel Bento Fialho juntam-se as actrizes Inês Barros, Mafalda Taveira e o actor Tiago Moreira, num recital colhido na semente subversiva da melhor literatura internacional. Pedimos de empréstimo ao poeta Daniel Filipe (1925-1964), cabo-verdiano perseguido e torturado pela extinta Polícia Internacional e de Defesa do Estado, o verso com que baptizamos este recital de textos de autores censurados: O Resto é o Futuro.

No cinquentenário do 25 de Abril de 1974 pouco se debateu a censura, talvez a ferramenta mais eficaz ao serviço de um regime que durante décadas humilhou, perseguiu, silenciou e ostracizou artistas, jornalistas, sociedade civil, privando-os da liberdade de expressão, organização e acção para impor perspectivas unívocas do mundo que ainda hoje nos perseguem. A censura é um vírus que penetra consciências e nelas exerce a sua função sabotando o espírito crítico.

Não temos do fenómeno da censura uma leitura datada, antes pelo contrário. Ela intromete-se no nosso dia-a-dia, de um modo mais ou menos declarado, através do medo incutido nos cidadãos e, mais recentemente, através de uma perversa cultura do cancelamento que procura tanto rescrever a história como impedir-nos de a pensar em função das suas conjunturas específicas. A censura não tem fronteiras, é transversal na linha do tempo e trespassa todos os regimes políticos, mesmo os que se dizem democráticos e liberais. Onde não se apresenta institucionalizada, ela lá vai assomando com pressões económicas e coerções éticas e coacções religiosas.

O que propomos em O Resto é o Futuro é um périplo no tempo e no espaço que nos transportará da Antiguidade à actualidade, passando pelo Estado Novo, viajando até à União Soviética, espreitando o Macarthismo, encarando a Europa do Index, penetrando nas literaturas do Médio Oriente, Afeganistão, China, América Latina… Em todos esses lugares e em diversos períodos históricos vislumbramos escritores censurados e cancelados, perseguidos, presos, vítimas de atentados, torturados, assassinados, seja porque alguém os considerou heréticos ou obscenos, pervertidos ou perturbadores da ordem e da moral vigentes, seja porque escreviam com a inconveniência que está na raiz da crítica.

O Resto é o Futuro porque é ele quem nos espreita, neste porvir inquietante de releituras históricas, manipulações, rasuras e apagamentos, um porvir cada vez mais marcado pela selectividade dos algoritmos e pela ditadura do politicamente correcto ao serviço de um populismo que se apropriou da palavra liberdade para nos fazer crer que só a liberdade de alguns é que vale e conta. Nunca como hoje a literalidade foi uma ameaça ao pensamento, pois nunca como hoje esteve este tão privado dos filtros que o defendem da influência e do controlo ilegítimo das máquinas de (des)informação ao serviço do poder.

Entradas condicionadas aos lugares disponíveis.

Valor da entrada | 3,00€

  • DATA10 de Dezembro de 2024
  • HORÁRIO21h30
  • INFORMAÇÕES E RESERVAS966 186 871 | geral@teatrodarainha.pt
  • MORADASala-Estúdio | Praça da Universidade, Edifício 2, 2500- 208 Caldas da Rainha