Em 2025 completamos 40 anos de actividade.

São 106 criações, dezenas de digressões por todas as regiões do país, não do Minho a Timor, mas do Algarve às Ilhas, passando pelo Alentejo, Trás-os-Montes, Beiras, litorais e altas, etc., e também por vários estrangeiros próximos, Moçambique, Brasil, Espanha e Roménia — também aqui encontramos uma base latina na língua —, residências prolongadas em Évora, Lisboa, Coimbra e Porto, todo o tipo de espaços desde os luxuosos teatros nacionais ao pardieiro mais recôndito na querida Bufarda, actividades formativas na região e fora dela — na Graciosa, por exemplo —, co-produções com inúmeros parceiros, entre eles a Assédio, o Teatro Nacional São João, os Aloés, os Artistas Unidos, a Companhia de Almada e, este ano, o Teatro das Beiras.

Em singularidade de opção electiva, a articulação entre uma visão historizada e experimental da encenação e um vasto reportório de clássicos e contemporâneos em que não faltam nem os gregos, Aristófanes e Sófocles (via Carson), nem Gil Vicente, Molière e Goldoni, nem dramaturgos da contemporaneidade que romperam com o teatro convencional burguês (com o naturalismo e suas máscaras miméticas) como Pirandello, Strindberg, Tabori, Bernhard, Brecht, Sarrazac, Richter, Crimp etc., em breve, Dennis Kelly e Angus Cerini.

Não faltaram também experiências de conversão de materiais narrativos em espectáculos, com textos de Ernesto Sampaio, Mário-Henrique Leiria e o genial Alberto Pimenta que, neste 2025, será objecto de um ciclo de revelações de textos seus e da obra que se fará a partir de vários ângulos de ataque, incluindo um Colóquio com Júlio Henriques, Joëlle Ghazarian, Maria Irene Ramalho, Manuel Portela e Lúcia Evangelista, entre outros estudiosos.

2025 é um ano de transição, investido e prenhe de futuro próximo, de potencialidade estruturante do que venha aí depois de 2026, anos em que, esperamos, o apoio que obtivemos nestes últimos 4 anos por parte da DGArtes (Ministério da Cultura) se renove automaticamente como propõe a lei. Começa com o espectáculo Quem está aí?, texto escrito a quatro mãos por Cecília Ferreira, Elisabete Marques, Manuel Portela e Henrique Manuel Bento Fialho. Será levado a cena sob a direcção de Henrique Fialho com a participação de Mafalda Taveira, Nuno Machado e Tiago Moreira, além dos quatro escritores que acompanharão também esta fase final. Experiência inabitual, é o resultado de uma longa Oficina que agora se finaliza, com três anos de duração e em que os quatro autores/as, no seu processo criativo, partilharam os modos de escrita, do gesto autónomo à fusão autoral, na indeterminação justamente criativa de quem escreveu o quê. Neste processo, este estranho corpo de 4 inteligências sensíveis, decidiu partir do tema “invisibilidade”, desenvolvendo narrativamente um caminho que a lê como modos mediáticos de ocultação da realidade, em suma, de controlo social numa sociedade hipervigiada, abordando-se a questão das migrações em torno da edição de uma notícia.

A segunda criação do ano é uma coprodução com o Teatro das Beiras, participando nela intérpretes das duas estruturas, Fábio Costa, Hâmbar de Sousa e Tiago Moreira pela Rainha e Sílvia Morais, Miguel Brás e Benedita Mendes pelo Teatro das Beiras. É um regresso a Peter Weiss e à sua Noite dos visitantes, peça popular escrita em octossílabos imperfeitos e rimados, em versão bastarda, portanto, que nos conta em registo de parábola a invasão de uma casa camponesa (metáfora de um país) pelo Mãos Tintas de Vermelho em busca de riquezas escondidas, de um saque, de recursos naturais pilháveis. Texto sobre os imperialismos, a peça termina com um segundo invasor — um segundo “visitante” —, uma espécie de pistoleiro do faroeste a disputar a imaginada riqueza com o primeiro, morrendo ambos nesse enfrentamento. A família, pai mãe e dois filhos, é destruída, sobrevivendo o casal de meninos que, com a suposta riqueza do fundo do baú, terá de se refazer ao caminho, o que é o mesmo que dizer terá de reconstruir a sua terra. Em quantos países não temos observado, nesta nossa actualidade, invasões em que os imperialismos em acção, directa ou por mãos terceiras, impõem a miséria aos povos para beneficiarem dos petróleos, dos gases naturais, dos metais preciosos e, agora, dos metais raros. Que estará dentro do baú? O espectáculo terá como referências estilísticas o Teatro Kabuki japonês e o Grand-Guignol, teatro criado em Paris ainda no século XIX, em Pigalle, cujas características ombreavam cénica e vocalmente com as histórias de terror dedicadas a um público ingénuo em matéria de “efeitos especiais e sustos”.

A terceira criação, Órfãos, de Dennis Kelly, autor inglês, sobre o racismo anti-pakis numa Londres periférica, a ser encenada por Henrique Fialho com Fábio Costa, Tiago Moreira e Inês Barros, lembra, de algum modo, indiretamente, o que esteve por detrás do estranho acontecimento havido na Rua do Benformoso, no Intendente, Portugal, só que, no caso, se fala de um assassinato sem que o assassino que relata a história se nomeie enquanto tal.

Ainda no âmbito da criação teatral neste início de 25 e até Agosto acontecerão o ciclo Pimentíada que, centrado na obra de Alberto Pimenta, nosso grande clássico-contemporâneo e performer vivo, constará do regresso do espectáculo O discurso sobre o filho da puta, de Marthiya de Abdel Hamid, numa criação sonora e cénica do compositor Carlos Alberto Augusto, e de Reality Show, que se estreará, finalizando um longo work in progresso. Este Pimenta é encenado por Fernando Mora Ramos e terá como performers Fábio Costa, Fernando Mora Ramos, José Carlos Faria, Nuno Machado e Tiago Moreira.

No primeiro semestre desta temporada contaremos ainda com duas reposições: Jorge Patego, de Molière, no CCC, a arrancar o ano, e Às duas horas da manhã, de Falk Richter, na Sala Estúdio.

No âmbito do Diga 33, programa concebido por Henrique Fialho — consultar de modo detalhado no site do TdR —, e nesta parte da temporada até Junho, estarão connosco Miguel Serras Pereira, Rosa Oliveira, Ana Salgueiro, Maria José de Lancastre e Carlos L.P. Bessa. Além deste elenco de convidados constará do Diga 33, integrando o projecto Pimentíada, uma “leitura aberta” de Indulgência Plenária de Alberto Pimenta.

Quanto às actividades de formação — interna e externa —, de realçar a Oficina Electra, entre o texto e a cena, análise detalhada a cargo da actriz e tradutora Isabel Lopes, do texto de Sófocles, a partir das imagens vídeo dos espectáculos, das três encenações de Antoine Vitez. Nas actividades regulares da casa registe-se a continuação das oficinas dedicadas a amadores de teatro, orientadas por Tiago Moreira e Inês Barros (coordenadora) que se desdobram em actividades com crianças, adolescentes e adultos num total de mais de 30 praticantes — de realçar a abordagem neste 2025 de textos de Marivaux e Shakespeare (A Ilha da Razão e A Tempestade) sobre o tema do preconceito em contexto social inesperado motivado por um naufrágio.

Para finalizar, um trabalho de criação, a desenvolver com o actor/bailarino moçambicano Samuel Nhamatate, centrado nas inesperadas vidas de um migrante quando aterra num país estranho chamado palco, país esse em que as convenções têm assuntos tão estranhos como a teia, o subpalco, os bastidores, todo um mundo que Beckett, de algum modo, já explorara como máquina de exclusão em Acto sem palavras. Texto borrão de Fernando Mora Ramos à espera das contribuições do intérprete, linguísticas e gestuais, este Um corpo estranho dá ao palco inicia em 2025 o processo de construção de um espectáculo que se apresentará em 2026, havendo condições para o fazer, em Moçambique e em Portugal.

 

Fernando Mora Ramos