O Teatro da Rainha faz 40 anos. E está a celebrá-los, isto é, a percorrer através de material fotográfico revelador o que realizou. Não é apenas um acto de memória, mas vivificar – o momento de olhar de quem especta – uma actualidade dos espectáculos, uma projecção destes num presente dos observadores que é, como sabemos, sempre a fugir – tudo é imediata memória. O tempo não pára mesmo que no teatro o paremos, não só nos “silêncios”, nas “pausas” e nas didascálias que dizem “um tempo”, mas porque suspendemos o fluxo na ampulheta da eternidade para evidenciar nos acontecimentos cénicos as suas interacções sociais e nelas o que sejam opressões escondidas e outras monstruosidades do humano mas, em contracorrente, realizando a festa com as armas do humor dos autores, dos actores e jogo dos seus corpos, da encenação: a festa do prazer estético, da beleza que existe também no que é feio, oculto e imperfeito – o tempo que vivemos é realmente tragicómico, a tragédia multiplica-se numa metástase contínua de violências sem limite e o entretenimento, dominante, adocica e mascara tudo de modo avassalador. Há sempre uma anedota a contar, uma pitada de óbvio a exaltar.
A impotência chama-se Ocidente.
No caso desta mostra fotográfica, aqui, na Casa Antero, pomos em dia o que fizemos no Beco do Forno, beco de muitas estradas polémicas. Esta Casa é um Centro Cultural, um espaço de convívio, de cumplicidades e por certo de crítica conspirativa, da arte de maldizer que redime as almas. Convosco, nesta parede acolhedora, está Cervantes (o criador do Quixote), Molière (que diagnosticou a hipocrisia dos Tartufos desta vida e dos mentirosos em geral, Goldoni tem o seu Bugiardo), Karl Valentin (que inspirou com o seu cabaret blagueur o dramaturgo Bertolt Brecht) e o próprio Brecht que, através do seu alter-ego “Senhor Keuner”, introduziu nos espíritos (des)atentos dos seus leitores uma versão maliciosa e subtil da introspecção dialéctica, elevando a ingenuidade a método.
Em cena, nestas fotografias da Margarida Araújo – sempre presente -, a Isabel Lopes, o Victor Santos, o José Carlos Faria, o Carlos Borges, o Octávio Teixeira, o Miguel Brás, a Sofia Araújo e a Maria Peres.
E já agora, ao vivo e aqui anunciada, a apresentação a 26 e 27 deste Setembro, de Cenas de fim de boca: uma prova de vinhos cómica e ritualística, como é devido ao divino líquido, inscrita num acontecimento coproduzido com o Paulo do Antero, o Paulo Santos da Padaria Forno do Beco e o Júlio Baridó da Quitéria dos queijos, ali à Praça da Fruta.
Não vos falta nada, venha o riso das boas estrelas.
Fernando Mora Ramos