Quem vier a deslocar-se à sala estúdio do Teatro da Rainha até ao próximo dia 4 de Dezembro para assistir a “Pertinho da Torre Eiffel”, dificilmente adivinhará como o apartamento humilde do cenário se transforma, ao fechar do pano, numa luminosa casa cheia de aplausos. Foi precisamente o que aconteceu no passado dia 18 de Novembro, noite de estreia com sala lotada e ovação final exigindo o regresso dos actores por diversas ocasiões. Ao palco desceram também o encenador Fernando Mora Ramos e o autor Abel Neves, recebendo e retribuindo a aclamação de um público onde se incluía Américo Rodrigues, actual director da DGARTES.
Que podemos dizer do trabalho da dupla de actores Fábio Costa e Marta Taveira nesta peça? Mais adequado será vê-los em acção do que elogiá-los aqui, pois todos os elogios são escassos perante a magnífica entrega a duas personagens que não nos deixam indiferentes. Em Jasmim e Jana, o casal suburbano do texto de Abel Neves, espelham-se as ambiguidades, as dúvidas e as hesitações, as incertezas de inúmeros casais perseguidos pela precariedade neste nosso tempo detergente, como diria o poeta Ruy Belo. Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais tocantes do espectáculo, o modo como a economia de meios e a simplicidade de processos são capazes de oferecer ao público uma complexa teia de emoções a partir de uma modelação das personagens que se isenta de juízos morais sobre as personalidades em cena e as suas acções.
O jogo estabelecido desde o início no seio do casal é de ambas as partes jogado com tacticismo e manipulação, mas sem aquela carga dramática que pelo excesso tudo torna inverosímil. Neste sentido, a experiência do encenador Fernando Mora Ramos favorece uma inteligente articulação da fragilidade inerente às personagens, também plasmada no cenário, com a pressão sobre elas exercidas por um mundo exterior que não vemos mas está presente. Esse mundo é o da mãe de Jana, figura estranha que condiciona a vida do casal, mas também é o dos empregos precários, é o mundo do jornal folheado por Jasmim e do concurso televisivo ao qual Jana concorre, é o mundo de quem hipoteca o corpo vendendo a imagem, convencendo-se de que entre ser e imagem há uma qualquer separação como se a sombra de um corpo pudesse ser independente desse corpo.
Não nos cabe revelar o final nem a solução encontrada, se é que ela existe, para um jogo que começa empatado e se joga entre empatas, mas sempre vamos adiantando que, pelo meio, os registos se alternam e os graus de intensidade de algumas cenas, intercaladas por mudanças com interlúdios musicais, são por vezes sabotados para trazer o espectador à terra. Diremos que a principal característica deste casal que, por vezes, roça um tipo de violência doméstica mais psicológica do que física, é a indefinição, a qual se impõe pela incapacidade de cada um dos elementos se autonomizar.
Jana e Jasmim alimentam-se das fraquezas um do outro sem tomarem decisões firmes e consequentes. A dado momento, as paredes do apartamento movem-se e, por instantes, é-nos sugerido que algo vai mudar, mas logo tudo volta ao que era, pois a normalidade deste casal em busca de uma vida normal é o modo como consecutivamente regressam a um jogo que impede a emancipação das individualidades.
Mais que justos foram os aplausos finais para esta peça que o público acompanhou com sorrisos audíveis, inquietações perceptíveis, reacções merecidamente positivas e entusiasmantes. “Pertinho da Torre Eiffel”, de Abel Neves, com encenação de Fernando Mora Ramos, estará em cena até ao próximo dia 4 de Dezembro na sala estúdio do Teatro da Rainha. Sugerimos vivamente este espectáculo, sem incerteza nem hesitações.
Valentim Nataniel, 19/11/21

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