• DATA23 de Abril | Das 15h00 às 17h00
  • INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES966 186 871 | comunicacao@teatrodarainha.pt | Entrada livre | Reserva de lugar obrigatória
  • MORADASala Estúdio do Teatro da Rainha | Rua Vitorino Fróis - junto à Biblioteca Municipal - Largo da Universidade | Edifício 2 | 2504-911 Caldas da Rainha

Manuel Portela coordena o Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Traduziu diversos autores de língua inglesa, entre os quais, Laurence Sterne, William Blake e Samuel Beckett. É autor dos livros O Comércio da Literatura: Mercado e Representação (Antígona, 2003), Scripting Reading Motions: The Codex and the Computer as Self-Reflexive Machines (MIT Press, 2013) e Literary Simulation and the Digital Humanities: Reading, Editing, Writing (Bloomsbury, 2022). É também editor, com António Rito Silva, do Arquivo LdoD: Arquivo Digital Colaborativo do Livro do Desassossego (https://ldod.uc.pt/; 2017-2021). Na última década tem-se dedicado à investigação da digitalização da cultura e das práticas literárias e artísticas. Foi programador na iniciativa Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003 (na área “Literatura e Pensamento”) e Diretor do Teatro Académico de Gil Vicente (2005-2008). Tem feito ainda programação e curadoria no campo da literatura experimental, destacando-se, nos últimos anos, “Ana Hatherly: Anagrama da Escrita” (Lisboa, Festival Silêncio, 2016) e “VisoVox: Poesia Visual e Sonora” (Fundação Eugénio de Almeida, Évora, 2018, com Américo Rodrigues e José Alberto Ferreira).

E eu ofereço-te este livro porque sei que ele é belo e inútil.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego.

Estamos habituados a descrever o campo literário como um espaço de comunicação com uma estrutura rigidamente definida. Tal estrutura carateriza-se pela constelação de um conjunto de funções (escrever, editar – no duplo sentido de organizar e publicar o texto – e ler) e de atores (escritor, editor, leitor) em torno de um objeto privilegiado (livro). Esta rigidez concetual estende-se assim à própria noção de livro, que é predominantemente imaginado como um objeto fechado e autossuficiente no qual textualidade e materialidade (impressa ou digital) coincidem.

O que aconteceria se, em vez de concebermos aquelas três funções e o artefacto a que chamamos livro como pré-determinados, os considerássemos como processos abertos e dinâmicos? O que aconteceria se olhássemos para eles como manifestações da performatividade literária, isto é, do conjunto de ações que institui e mantém a própria possibilidade da experiência literária?

Estas duas perguntas estão na base do “Arquivo LdoD: Arquivo Digital Colaborativo do Livro do Desassossego” (https://ldod.uc.pt/), um projeto do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra, coordenado por Manuel Portela e António Rito Silva. No Arquivo LdoD, o Livro do Desassossego foi transformado num texto legível computacionalmente cuja legibilidade maquínica se constitui, ela própria, como um dispositivo gerador de múltiplos atos de fala literários, isto é, de atos que nos permitem observar e experimentar a dinâmica que institui um campo literário.

Nessa medida, o Arquivo LdoD dá-nos a possibilidade de observar processos de escrita, edição e leitura cujo horizonte concetual e material é a produção da ocorrência “Livro do Desassossego”, isto é, a instanciação histórica da projetualidade autoral e da projetualidade editorial que resultou numa obra-livro específica. Ao mesmo tempo, o Arquivo LdoD permite-nos experimentar aqueles processos (escrever, editar, ler) como um jogo fluido de papéis que podemos desempenhar na plataforma, motivados pela processualidade do livro como um operador imaginário em cada ato concreto de construção de sentido.

Por outras palavras, esta máquina permite formular também as perguntas seguintes: o que é um ato de escrita? O que é um ato de edição? O que é um ato de leitura? O que é um livro? Enquanto conjunto inacabado e fragmentário de textos, o Livro do Desassossego revelou ser a obra ideal para modelar e simular a performance literária. Nesta conferência, mostrarei o Arquivo LdoD como uma invenção computacional que nos permite observar e experimentar a processualidade do livro e dos atos de escrever, editar e ler em segundo grau. Livro que se torna livro, escrita que se escreve, edição que se edita, leitura que se lê – é do próprio devir-ação de cada ação que a máquina do Desassossego se tenta aproximar.