TEATRO DA RAINHA | CELEBRAR O TEATRO, CELEBRAR A RAINHA
Um quarto de século e um ano que começa o que está por vir. Por certo o Novo Teatro, a Caixa Preta, albergue antecipado dos sonhos que gravitam como a nossa translação e rotação cardíacos e mais, o laboratório, o lugar onde os corpos dos actores e os textos aprendidos de coração serão a escrita, o modo como o teatro decifra e revela a realidade e o real – que pode haver de mais vital que a presença dos que agem na cena como instrumento e sujeito dos desígnios maiores da fantasia e da compreensão? A realidade a ser espiolhada, essa coisa dos dias, e o real, essa dimensão opaca da realidade que o teatro capta como complexidade presentificada na representação.
Para a frente o Novo Edifício como essa nova vida potencial, espaço a habitar de experimentação, laboratório cénico, vazio para todas as hipóteses de corporificação das escritas. E não é um qualquer espaço para um qualquer arbitrário e estatuído, mundano, desejo de ficcionar. Contamos histórias, partidas, incompletas e fundamentalmente interrogamos a vida, tentamos rir e denunciar as forças de destruição do humano: eis o teatro, esse vício de viver. Pois é a nossa opção e de tantos teatros pelo mundo, ser outros e localizar o desastre e a alegria através do prazer reflexivo, do sarcasmo e da dor. Desde há dois mil e quinhentos anos que por aqui andamos, mesmo mais, a história dos corpos na festa não tem calendário possível. É a nossa sina. A chegar ainda este ano aos sessenta espectáculos peças feitas, milhões de palavras nos cérebros, de clássicos e contemporâneos, centenas de sítios e cidades visitados, continuamos a desejar um teatro elitista para todos, o que neste país de tradição sempre por vir – e já é 2011, século XXI e a dita Europa este Portugal – e de populismos incriativos é obra. Vamos continuar a viagem nas Caldas e entre Santa Susana, Maputo e Cluj, a partir do sonho em acto da nova sede de criação se o engenho e a arte nos permitirem. Mas sobretudo desejamos que a atenção daqueles que deviam pensar que um país não é um pardieiro, muito menos uma contabilidade de mercearia, se identifique de facto com o interesse dos povos, a alegria de uma liberdade culta como plano. O que é a nação se não for um projecto? Bem hajam vocês, espectadores e cidadãos. A Rainha continuará ao dispor, dedicadamente, a cozinhar os seus autos, agora interculturais e tão brutais quanto as realidades que nos invadem.
Fernando Mora Ramos