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Ficha Artística

AUTORIA E ENCENAÇÃO | Guilherme Mendonça
INTERPRETAÇÃO | Ângelo Torres

AMÍLCAR GERAÇÃO é um monólogo dramático em três actos que tem por tema a figura de Amílcar Cabral e o seu legado. O primeiro acto é uma evocação de Amílcar Cabral feita a partir de memórias do actor Ângelo Torres. O segundo acto tem lugar em Janeiro de 1973 e dramatiza uma interpelação de Amílcar aos seus algozes, imediatamente após a sua morte. O terceiro acto põe Amílcar Cabral em contacto com um público presente num exercício especulativo de explicitação dos seus motivos.

O monólogo é uma forma teatral não dramática. Teatral no sentido em que se leva a cabo uma apresentação perante um público; não dramática no sentido em que lhe falta a conflitualidade presente entre personagens — não encontramos no monólogo personagens cujos desejos estejam em oposição.
A implicação teatral da ausência de personagens representados por actores distintos é a ausência de contracena.
Um dos aspectos decorrentes do que acima enunciei é que não podemos contar com as estratégias mais comuns no drama tradicional para a criação de monólogos; outro aspecto é que precisamos de encontrar estratégias para justificar o discurso solitário de uma personagem.
No meu anterior monólogo (UM PÁSSARO É MAIS DO QUE A SUA JAULA) optei por uma solução a que chamaria ‘fuga ao monólogo’. A personagem (Adolfo Maria) encontrava-se numa situação bem definida (o auto-cárcere em Luanda 1975) e procurava deixar um registo escrito do seu predicamento. Nesse processo ensaiava as suas próprias palavras e, em meio desse discurso, revivia momentos da sua vida. A revisitação do passado permitia que o actor (Paulo Pinto) simulasse diálogos; discursos de outras personagens; interacções desejadas. O público vivia assim uma ilusão de presenciar cenas dramáticas entrando na cabeça da personagem. Tratava-se de um solução dramática para uma forma não dramática; adaptada ao tema e as qualidades do actor. Paulo Pinto é um actor de grande minucia e técnica; que se envolve profundamente na construção da personagem.
Amílcar Cabral é muito diferente de Adolfo Maria; Ângelo Torres é muito diferente de Paulo Pinto; e as qualidades específicas do actor devem ser parte da forma do espectáculo.
Ângelo é um actor único e singular no panorama português. Um dos aspecto singulares da sua performance é a capacidade de invenção no momento. Quando digo invenção não estou a falar apenas de improvisação; estou a falar de elaboração poética e narrativa sobre um tema. No discurso de Ângelo um “distanciarmo-nos da costa numa viagem de barco” transforma-se rapidamente em “o horizonte engoliu a terra.” Este tipo de invenção é em parte decorrente, creio, da sua experiência como contador de contos, em parte da exposição a narrativas bíblicas enquanto aluno em colégios jesuítas e em parte, ainda, um produto da sua imaginação.
Outro aspecto singular no trabalho do Ângelo é a ligação permanente a temas da história e política recentes, em particular do século XX e do pós-independência. Ângelo foi testemunha, enquanto criança, do nascimento de um partido independentista, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP); o seu pai (João d’Alva
Torres) foi Ministro do Trabalho em São Tomé e Príncipe no período pós independência e a sua família esteve sempre ligada à vida política. Em adição a isto viveu intensamente a década de oitenta em Cuba, onde se formou em engenharia do frio e, já em Portugal, viveu os ecos do período pós-revolucionário e a abertura de Portugal à Europa.
A doutrinação e estudo próprios de uma criança nascida no seio de uma família híper politizada e formada em Cuba é complementada por um grande conhecimento histórico e constante reflexão — o actor esconde um intelectual.
O pai de Ângelo era da geração de Amílcar. O nome da peça é AMÍLCAR GERAÇÃO porque trata não só de Amílcar e da sua geração, mas também da geração que se lhe seguiu — as suas aspirações, as suas desilusões. Ângelo é um actor valioso porque é ele próprio, à sua escala, memória de um tempo.
AMÍLCAR GERAÇÃO tem três actos organizados tematicamente. O primeiro acto dá voz à geração dos filhos de Amílcar, tendo como ponto de partida a experiência pessoal do próprio Ângelo. O segundo acto põe em cena Cabral, o político e ideólogo, no momento da sua própria morte. O terceiro acto dá voz a Amílcar, o homem, num exercício de introspecção ficcionado sobre as suas motivações de vida.
O material biográfico de Ângelo bem como o seu posicionamento em relação ao assunto são centrais para este espectáculo. Este texto é tanto de sua autoria como meu.
Guilherme Mendonça