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  • ESTREIA5 de Setembro de 2013 | Sala Estúdio do Teatro da Rainha

Ficha Artística

Texto | Álvaro Zúñiga
Leitura encenada por | Fernado Mora Ramos
Interpretação | Álvaro Zúñiga, Inês Barros, José Carlos Faria, Paulo Calatré, Tiago Moreira
Produção | Ana Pereira
Dispositivo cénico e de luz | Carina Galante
 e Filipe Lopes

Nenhum ódio ao número em si se justifica, mas toda a desmontagem da sua manipulação se nos impõe, eticamente e os números têm de facto dono, uso e podem jogar-se como armas mais que brancas, epidémicas – a beleza dos números é, por outro lado, inegável, e convertidos em distância a percorrer trazem-nos, por exemplo, o Paradoxo de Zenão, essa metade da metade que se não alcança nunca como definitivo porto, o que é mais próprio deste real que vivemos, de metas sempre adiadas, que lúdica lucidez de raciocínio. Um número manobrado pode ser um tsunami e estes não nos têm faltado. É aliás, a actual política, a sua convergente soma a cair-nos em cima – no trabalho e salários, nas artes e na cultura, no SNS, na segurança social, nas escolas, na liberdade de opinião. Resta-nos a rua e desmontar constantemente a mentira que respiramos sem alternativa: o ambiente é tóxico sem excepções, nem nos condomínios privados. Um mestre falava das Cinco dificuldades para dizer a verdade em tempos de obscurantismo que pareciam pertencer apenas a uma memória sempre útil mas localizada. É o que tentamos, dizer a verdade, sabendo que hoje em dia, afirmar o que seja nesta barbárie de signos, é fazer o esforço de um itálico permanente e jogar tudo na inteligência do interlocutor.

Nomear uma intenção com um número será o quê? Afirmar uma tese, revelar a intriga globalizada? Desmontar a (des)ética imposta da exactidão numérica pela via do que uma (des)ordem narrativa cénica – uma peça de teatro? – faça acordar na cabeça de cada imaginado ouvidor espectador? O que faz um número como nome?

Escrito por extenso poderemos elencar nome e apelido, Trinta o nome, e Oito o apelido, e inferir que é caso para dizer que é melhor o apelido que o nome, pois Oito tem um redondo de forma que Trinta nem sonha – quem pode, Silva de apelido, sonhar mais que comum cavaco? Além disso, o 8 deste 38 pertence também a uma constelação de expressões linguísticas: feito num oito, que par de oitos, quantos coitos foram oito mais trinta e etc.
O que é facto é que argumentamos razões humanas, emotivas e intuitivas inteligentes e atiram-nos números para cima como quem nos fecha a porta na cara. O número é uma fórmula assim forçadamente magico-impositiva – quem não percebe ajoelha-se – por se pretender exacta, não enquanto quantidade, mas pelo que diz para além dessa exacta quantidade. Nesse sentido não é ciência mas instrumento ideológico – o tal 3% é austeridade e violência antipopular, inimigo do povo. Diz-se este número da dívida como meta, não se explica, pura numerologia, ciência oculta – a exactidão do número ao serviço da manobra política, a “ciência” ao serviço do obscurantismo.
Quando o corte vai aos 38% no apoio a uma companhia de teatro também não se explica porque não foi quinze? Ou mesmo nada, não serão verba “amendoins” ao contrário dos swaps? O que é facto é que os cortes são para engordar os manipuladores vorazes de taxas de lucro banqueiras: os credores usurários que lucram com a fome de terceiros e dela fazem fortuna.
Nos tempos que correm, em nome da religião económica e das finalidades mercantil-ideológicas que o Estado Espectáculo persegue quotidianamente, os números são atirados como se fossem a subida e descida constantes da febre do doente, Portugal e o mundo, relevando determinadamente, por um lado, a tragédia que se abateu sobre nós como um destino inelutável – só com pior se melhora – e por outro, mal uma estatística se desloca positivamente um centésimo, como porta aberta para o melhor dos mundos – o tal cantado regresso aos mercados – mas porta aberta para uma linha do horizonte lá muito longe, caminho a cumprir a pulso, centésimo a centésimo de suor e pobreza galopantes.
Não tem contraditório como a palavra, é sem ambiguidade, dizem eles, fecha pela resposta definitiva (o número já é a explicação não explicada sobre a ferida exposta visível do corpo da crise, os portugueses, os gregos, os irlandeses, os italianos, os espanhóis, os…) o que possa começar a ser racionalizado, pressentido, historiado, reportado. É, antes do começo do raciocínio o touché final, a conclusão imposta, catástrofe irremediável, derrota a suportar, o “é assim porque é assim”.
Ora sabemos que o número é arbitrário e que as conjunturas valorizam e desvalorizam o que sendo número é moeda. Três que já foram tostões, e isso valiam porque a eles correspondiam possibilidades de adquirir determinadas coisas, agora são cêntimos e não dão para nada, nem para cuspir na sopa. Três, porquê? Há perguntas cuja resposta é a da criança: o rei vai nu. Nenhum economista desta missa em latim numérico é capaz de o explicar. Porque não só ninguém cumpre – o valor da dívida – como este três é cada vez mais aquele horizonte que se afasta quando nos aproximamos e sabe-se porquê, as taxas usurárias dos especuladores credores – vulgo mercado -, a cada sobressalto, dobram e levam os governos a dizer que o que cada um tem é nacionalizável para recapitalizar os bancos. O financismo é um extremismo alicerçado numa política do número fatídico a cair sobre os rendimentos do trabalho e o Estado Social.
38 é um acontecimento cénico, uma peça de teatro, uma tese sobre o mundo global, a denúncia do carnaval político globalizado e das suas personagens, é dizer em alta voz o que se esconde e na massa informativa se perde como anedota.
38 é sobre a política cultural absurda e inconsequente, sobre o desgoverno, sobre o mundo de pernas para o ar que nos querem impor como democracia possível, pois tudo se tornou elástico: a fome, o desemprego, a arte e os artistas, o espaço público, os serviços sociais, a morte, são variáveis da equação da dívida.
38 por cento foi o corte que os governantes aplicaram ao TEATRO.
38 é a cirurgia retrospectiva e pícara desse gesto irresponsável.
38 é uma acto de liberdade livre, um espectáculo sem rede nem dono, é um acto de independência, uma explicação de como a farsa do poder é incongruente, analfabeta e pobre de espírito.
38 é uma peça-espectáculo de Álvaro Garcia de Zúniga e do Teatro da Rainha realizada pelo seu colectivo “os proletários da Rainha”.

Fernando Mora Ramos